BUSQUEMOS O SENHOR

“Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69).

Essas palavras iluminadas que brotaram do coração de Pedro, o porta-voz dos discípulos de Cristo, também devem ecoar forte em nossos corações. Depois de um discurso com palavras “duras”, o Senhor percebe que muitos daqueles que formavam a multidão ao seu redor voltaram atrás e deixaram de segui-lo. Voltando-se para os discípulos, Jesus os pergunta se queriam também eles deixá-lo para seguir outras direções. A resposta contundente de Pedro, que é também uma bela profissão de fé, demonstra que aquele pequeno grupo já não encontrava outro sentido nas suas vidas que não seguir os passos do Mestre. Um encontro verdadeiro com o Senhor deixa marcas profundas nos discípulos e uma dessas marcas é a perseverança no caminho da salvação.

O nosso caminhar na Igreja e com a Igreja de Jesus Cristo deve ser construído sobre o alicerce dos apóstolos. O seguimento dos discípulos, apesar de oscilante, se mantém até o fim. Muitas vezes somos tentados a viver como a multidão envolta a Cristo, que gostava de ouvir algumas de suas palavras, era ansiosa por milagres e se maravilhava quando algo de extraordinário acontecia. Como a multidão, corremos atrás de Jesus Cristo “pop star” ou “milagreiro” que, enquanto nos satisfaz permanecemos com ele, mas quando nos apresenta os desafios do discipulado titubeamos na fé. Ser cristão é dar um passo decisivo para deixar de ser multidão para ser discípulo.

Em tempos de pandemia somos convidados a caminhar como discípulos, porém de um modo diferente. Nossos passos devem nos guiar para os diversos lugares onde podemos nos encontrar com Jesus Cristo. Em 1999 o Papa São João Paulo II escreveu a exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in America, sobre o encontro com Jesus Cristo vivo, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América. No número 12 dessa exortação encontramos apresentados os lugares de encontro com Jesus. Em 2007, os bispos da América Latina e Caribe reunidos em Aparecida produziram o Documento de Aparecida que retoma essa ideia de São João Paulo II. Percebendo a atualidade destas reflexões, principalmente nesse contexto de isolamento social, acho pertinente retomarmos alguns pontos para que aprofundemos nosso relacionamento com o Senhor.

Naquele tempo (1999), o Papa se preocupava em mostrar que nossa fé se fundamenta num encontro pessoal e concreto com o Senhor. Usando as palavras do santo: “Para que a procura de Cristo, presente na sua Igreja, não se reduza a algo meramente abstrato, é necessário mostrar os lugares e momentos concretos nos quais, no âmbito da Igreja, é possível encontrá-Lo” (EAm n.12). O primeiro lugar apontado é a Sagrada Escritura lida sob a inspiração do Espírito Santo e em comunhão com a Tradição e o Magistério da Igreja. A Sagrada Escritura é uma grade tesouro espiritual que temos ao alcance de nossas mãos. Nesse tempo, devemos nos debruçar com mais ardor sobre a Palavra de Deus. A sua leitura se torna ainda mais frutuosa se acompanhada da meditação e oração. Convido a cada um a rezar através da Lectio Divina, a Leitura Orante da Bíblia, que passo a passo nos insere nos mistérios de Deus revelado a nós.

A Sagrada Liturgia é apresentada como segundo lugar para um encontro profundo com o Senhor. Nosso Senhor está presente no celebrante que conduz as celebrações litúrgicas e age na pessoa do Cristo. Ele está presente nos sacramentos como canais eficazes de sua graça transformadora. Ele se encontra presente na comunidade celebrante viva na fé e no amor fraterno. Está presente de um modo muito especial na Eucaristia, presença real e substancial de Cristo. “Sob as espécies do pão e do vinho, encontra-se presente Cristo total na sua ‘realidade física’, inclusive corporalmente” (EAm n.12). Não devemos pensar que, por estarmos distante fisicamente dos sacramentos e da liturgia nós não somos alcançados pela graça divina. Em meio ao isolamento social somos instruídos a participarmos de um modo peculiar, não obstante frutuoso, da liturgia da Igreja. Seja através das transmissões pela internet, televisão, rádio, ou quaisquer outros meios, devemos elevar a Deus nossas orações, principalmente pelo fim dessa pandemia.

A exortação nos convida a buscarmos o Senhor presente em cada irmão, naqueles que são pobres e excluídos com os quais Cristo se identifica de modo especial. Em Mateus 25,31-46, quando Jesus profere seu discurso escatológico, Ele chama de benditos àqueles que cuidaram dos famintos, sedentos, peregrinos, nus, doentes e presos.

“Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).

Nesses tempos de pandemia convido a cada um a viver com mais intensidade a solidariedade e a fraternidade. Com gestos simples e discretos podemos fazer um bem enorme para os nossos irmãos que mais passam necessidades. Deus nos ajude a perceber nas lágrimas e no rosto sofrido dos irmãos a face sofredora de Cristo.

O Documento de Aparecida (2007) enriquece ainda mais essa reflexão propondo mais um lugar de encontro com o Senhor: a religiosidade popular. A piedade que brota da espontaneidade de nossas comunidades deve ser incentivada e purificada, pois assim como ela sustentou a fé de muitas pessoas e comunidades, ela continua hoje a conduzir muitos corações para Cristo. “Não podemos desvalorizar a espiritualidade popular ou considerá-la como modo secundário da vida cristã, porque seria esquecer o primado da ação do Espírito e a iniciativa gratuita do amor de Deus” (DocAp n.263). Incentivo a cada um para que busque nos pequenos gestos de piedade essa proximidade com o Senhor. “Nos diferentes momentos da luta cotidiana, muitos recorrem a algum pequeno sinal do amor de Deus” (DocAp n.261).

Como povo peregrino que somos, vamos dirigir nossos passos em direção a Jesus Cristo, nossa salvação. Nele encontraremos repouso, consolação, discernimento, fortaleza, ânimo e tudo mais que necessitamos na situação atual em que vivemos. Queria concluir essa minha reflexão com uma pequena anedota: “Certa vez um cão de caça encontrou uma presa e pôs-se a persegui-la. Como é natural, a caça temerosa seguia correndo e o cão corria e latia logo atrás. Nesse tempo apareceu outro cachorro que, percebendo a movimentação, também partiu em disparada e latidos. Outro cão se juntou à perseguição, logo depois mais um e um outro…. Logo a matilha já estava grande e todos corriam e latiam.

Depois de um tempo os cães foram desacelerando a corrida e, um a um, foram deixando a caçada de modo que por fim permaneceu apenas o primeiro. Esse tinha visto a caça e sabia seu alvo, os outros tantos se empolgaram com os latidos e a correria, mas não sabiam o motivo pelo qual corriam. O que permaneceu alcançou seu objetivo, os outros falharam pelo desânimo e ignorância. Essa é a diferença entre discípulo e multidão.

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