As recentes polêmicas em torno da aprovação do aborto na Irlanda e na Argentina produziram não só debates, mas o reconhecimento das estratégias que grupos de pressão empregam para alavancar a agenda abortista*. Um dos recursos mais poderosos para mobilizar a opinião pública é exibir vítimas. O ser humano possui uma tendência natural para dar atenção e, eventualmente, afeto e apoio aos sofredores. É algo que acontece no plano profundo das emoções e que, por isso mesmo, escapa facilmente da análise racional. É desumano, mais que isso, é anti-humano, fechar os olhos e o coração diante da dor do próximo. Aqueles que se fecham no seu paraíso de privilégios lembram muito o rico da parábola que realizava banquetes esplêndidos enquanto o pobre Lázaro agonizava na porta da sua mansão (Lc 16, 19-31). Esta conduta revela a essência do pecado da indiferença, tão duramente denunciada pelo Papa Francisco. Todavia, a força da compaixão também pode ser manipulada. É o que tem acontecido em muitas ocasiões, particularmente no debate sobre o aborto.
Chamamos vitimização ao recurso sistemático de exibição de vítimas – reais ou fictícias – com a intenção de gerar apoio a uma causa ou o rechaço de certa forma de comportamento. É uma das muitas técnicas usadas pela chamada “reengenharia social,” cujo propósito é modificar os critérios de avaliação moral de modo que as pessoas aceitem o que antes rechaçavam ou detestem o que antes apreciavam.
A vitimização requer uma ampla participação dos meios de comunicação social, particularmente daqueles que contam com um evidente direcionamento ideológico, como é o caso dos periódicos ou da televisão. O fato de que os meios de comunicação tenham um papel tão decisivo numa determinada campanha de vitimização revela algo importante: a vitimização ajuda a gerar poder na medida em que conquista a opinião pública. Vitimizar é excelente estratégia numa agenda de construção de poder político e ideológico. As agendas dos grandes poderes mundiais se valem de amplas campanhas de vitimização, usualmente com a exibição mórbida de casos extremos e de forte apelo emocional. Essa estratégia é empregada explicitamente em temas polêmicos como o aborto, a eutanásia e as atuais “questões de gênero”.
Ninguém duvida da seriedade dos sofrimentos das pessoas envolvidas nessas complexas situações, mas é preciso tomar consciência da tremenda carga de manipulação emocional contida na maneira como são narradas, analisadas e enviadas a milhões e milhões de pessoas. Alguns sofrimentos são cuidadosamente escolhidos para produzir um impacto já predeterminado. Nesse sentido falsificam a realidade. Por exemplo, não podemos ignorar que a imensa maioria dos abortos reais não tem nada a ver com estupros ou gestações de risco, mas simplesmente com pessoas que não desejam um filho e optam pela solução mais radical que consiste em sua eliminação mediante o aborto.
Fica o questionamento: como defender-se da vitimização como argumento? Como preservar a nossa reflexão e o nosso discernimento diante de tanta manipulação? O mais importante é tomar consciência de que existe esta poderosa ferramenta de dominação e controle social. Uma vez que se toma consciência de sua existência e de seu frequentíssimo uso, ela começa a perder o seu poder de convencimento. Por outro lado, é decisivo o conhecimento do que realmente ensina a Igreja diante dessas questões e zelar para que a manipulação emocional não soterre o uso da razão. Desta forma podemos empreender passos mais realistas na análise e no discernimento das polêmicas questões que agitam a nossa época.
Pe. Luiz Antônio Reis Costa – Assessor eclesiástico da RCC – Arquidiocese de Mariana
*Esse artigo foi elaborado a partir das reflexões (textos e vídeos disponíveis em espanhol) do Frei Nelson Medina, OP que podem ser acessados nas seguintes fontes:
https://www.youtube.com/watch?v=gWUPzrZvv-U
https://www.youtube.com/watch?v=cPpiu9eyM-o
https://www.youtube.com/watch?v=hTfR9qH0p0c , http://www.infocatolica.com/blog/mundoescorinto.php/1402040149-palabras-claras-sobre-el-aborto
http://www.infocatolica.com/blog/mundoescorinto.php/1611291236-palabra-de-hoy-victimizacion
http://www.infocatolica.com/?t=opinion&cod=10312
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