Um mestre espiritual a ser conhecido: Pe. Alfonso Torres, SJ
Nossa Igreja possui verdadeiros tesouros espirituais hauridos da Palavra de Deus, da sua Tradição e da sua multiforme espiritualidade. Alguns cristãos recebem carismas específicos que os capacitam a tornar essas riquezas acessíveis a todos. Um deles foi um jesuíta espanhol, o Padre Alfonso Torres. Este sacerdote dedicou grande parte da sua vida ao exigente ministério da direção espiritual de padres, religiosos e leigos. Todos que travaram conhecimento com ele testemunharam sua notável capacidade de discernimento das coisas espirituais. Felizmente o Padre Alfonso Torres deixou muitos textos impressos e o seu magistério espiritual ficou perpetuado entre seus leitores e admiradores. Foi durante um retiro inaciano que tive a oportunidade ler pela primeira vez esse autor, praticamente desconhecido no Brasil. Que bem imenso me fez! Posteriormente não hesitei em traduzir, adaptar e propor um utilíssimo ensinamento sobre a tentação, essa realidade cotidiana e desafiante da nossa caminhada cristã. Esse esquema, elaborado de forma didática, guiou a minha fala (a modo de direção espiritual coletiva) na última reunião do conselho arquidiocesano da Renovação Carismática Católica. Agora, através do nosso site, compartilho-o com todos que queiram tomar um primeiro contato com essa temática tão importante para o nosso crescimento espiritual. (Pe. Luiz Antônio Reis Costa)
Sobre a tentação
Conforme os escritos espirituais do Pe. Alfonso Torres, SJ (+1946)
In: El Caminho de Dios. Madrid: BAC, p. 358-365
1- A vida presente, vida de tentação
- Enquanto eu viver, serei tentado.
- As tentações mudam de forma e de caráter. Mas duram toda a nossa vida terrena.
- Ninguém está livre dos assaltos do Inimigo. Tendo consciência disso, não ficaremos nem escandalizados nem surpresos diante das tentações como se fossem algo inédito e catastrófico.
- Lutar contra as tentações: um dos deveres cotidianos da vida presente
- Por isso, viveremos vigilantes como nos aconselha o Evangelho.
2- Uma pergunta inquietante: por que o Senhor permite tentações?
- Permite para a maior glória dos que Ele ama!
- Vencendo as tentações no deserto ( Mt 4,1-11), Jesus saiu de lá glorificado. Pela mesma razão, Deus permite que até os melhores sejam tentados.
- A hora da tentação é a hora de glorificar a Senhor com o exercício das virtudes. Recordar isso faz aumentar o nosso esforço e o nosso amor.
- As tentações fazem parte daquelas tribulações por meio das quais haveremos de entrar no Reino de Deus (At 14, 22).
3- Tentação e vida espiritual
- Desde que começa a nossa vida espiritual, a nossa caminhada com Deus, começa também um ataque contínuo e enfurecido contra nós.
- “Satanás nos rodeia como um leão a rugir” (1Pd 5,8): esta é uma realidade não só do tempo dos primeiros discípulos, mas de todos os tempos.
- É uma luta fundamental. Luta que todos temos de empreender. Luta onde o Inimigo coloca em ação todos os meios a seu alcance.
4- Tentações descaradas e tentações disfarçadas
- Dura é a luta contra as tentações descaradas. Muito mais dura é a luta contra as tentações disfarçadas.
- As tentações descaradas são rejeitadas de imediato. As tentações disfarçadas visam derrubar os fortes, os bons mediante as enganadoras aparências de virtude ou de progresso.
- As tentações disfarçadas visam prender pessoas generosas nos laços da mentira, tal como pássaros impedidos de voar por estarem envolvidos numa rede.
- Tentações disfarçadas esgotam uma pessoa, sabotam suas energias. Por terem aparência mansa são recebidas com menos precaução, sem os preparativos para delas se defender e se prevenir do seu veneno. E isso é gravíssimo dano.
5- Quando o combate redobra
- Quando uma pessoa decide entrar de cheio no caminho de Deus, o Inimigo redobra o combate contra essa pessoa ( Eclo 2, 1-23).
- É terrível esta luta quando uma pessoa decide abandonar os pecados mortais ou deixar a tibieza e, assim, seguir fervorosamente o Senhor.
- Desta forma, o que antes não havia sido despertado… aparece: aversão às coisas de Deus, escuridão para entender os mistérios da fé, tremendas rebeldias secretas, desconfiança de tudo e de todos, afastamento das coisas espirituais como de algo que traz mais tormenta que descanso, mais males do que bem e proveito.
- Esta luta é tão terrível que nela muitas pessoas naufragam: ou voltam aos pecados mortais ou ficam eternizadas na tibieza.
- Esta luta é tão terrível. É a mais terrível luta que aqueles que dão acompanhamento espiritual têm de assistir.
- Chega-se ao extremo inacreditável de parecer que esta luta nunca irá acabará.
- A quem está no meio desse combate parece que acabaram-se para sempre as alegrias desta vida e as esperanças do coração. Até esse ponto e mais além dele, cresce o combate da tentação e até esse ponto tenta sufocar o tentado.
6- Crisol das virtudes
- No tempo da tentação quem sabe proceder bem se santifica, quem não sabe encontra ruína.
- A tentação é ao mesmo tempo um perigo e uma misericórdia.
- É um perigo por causa dos males aos quais arrasta.
- Mas é misericórdia pois é ocasião de grandes bens. É no meio das tentações que se fortalecem as almas santas e se adquirem as mais sólidas virtudes.
- À santidade se chega avançando pelo árduo caminho da tentação.
- Podemos crescer em virtude à medida em que a tentação recrudesce. Por isso, permite-a Deus para que a virtude se acrisole e a pessoa seja coroada de vitórias.
7- Três “quando”
- Quando o Senhor confia numa pessoa, que ela se prepare: Ele lhe fará grandes benefícios.
- Quando se adquirem virtudes de verdade? Quando se intensificam as tentações.
- Quando o Senhor quer rapidamente santificar uma pessoa, envolve-a em tentações. Age assim desígnio de Deus.
8- O Senhor não nos abandona na tentação
- A arma mais poderosa que temos para vencer a tentação é o amor. Na medida que o amor decai, nos tornamos mais fracos, mais débeis.
- Deus permite o combate, mas para o nosso bem. Ele sabe da nossa debilidade e, longe de nos abandonar, nos ajuda com a sua divina graça.
- A pessoa que luta por Deus é pessoa que vence. O Senhor não abandona os que estão lutando contra os seus inimigos.
- Em todos os casos é a humildade que tem a última palavra: olhar para Jesus! Com os olhos da alma! (Hb 12,1) É esse olhar que o move a ter misericórdia de nós, a salvar-nos quando quase perecemos, a levar-nos para a margem segura tal como levou os apóstolos amedrontados ( Mt 8, 23-27)…
- Em suma: Jesus pode cessar a tentação na alma e também fazer que nela reine a paz, a consolação, a graça. Fará isso sempre no momento apropriado.
9- Como preparar-se para lutar
- Desejo sincero de vencer: é preciso querer vencer. Desejar – de verdade –
- Não estabelecer tratos ambíguos ou clandestinos com o Inimigo que, atuam por meio de concessões ao mal e, no fim, geram deserções dolorosas (Mt 5,37; Tg 5,12).
- Agir contra: exercitar com máxima pureza e intensidade a virtude que está sendo combatida pelo Inimigo.
- Consciência da letalidade da luta: não é uma luta de brincadeira. É um combate de vida ou morte, de tudo ou nada. Para vencer é necessária uma “determinação muito determinada” (Santa Teresa de Jesus).
- Lastro do temor de Deus: somos flutuantes. Oscilamos do mais fervoroso amor a Deus às vacilações nos momentos de tentação. É necessário o lastro do santo temor de Deus ( Pv 14,26-27).
- Subir a argumentação ao nível do sobrenatural: o Inimigo nos tenta de forma sutil e hábil, valendo-se de argumentos sugeridos pela “razão inferior” (a razão que pensa apenas conforme o mundo, sem se referir a Deus). Os argumentos da razão inferior são bem convincentes, mas não são profundos. O remédio é subir para os critérios sobrenaturais quando se decide e se reflete sobre algo (1 Cor 2, 10-16).
10- É preciso mudar o olhar
- Conforme se olha para o combate da tentação, a pessoa já se coloca em posição de derrota ou de vitória. Derrota ou vitória começam já no íntimo da alma tentada, a partir do modo como olhamos para a tentação.
- Pode se olhar para a tentação com um ânimo pequeno, desconfiado e covarde.
- Pode-se olhar para a tentação com um ânimo grande, encorajado, confiante no poder de Deus.
- Pode-se focar no lado escuro, perigoso, amargo ou mesmo sedutor da tentação.
- Pode-se focar nos proveitos e progressos que trazem a vitória sobre esta tentação, proclamando a Palavra do Apóstolo: “tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4,13). Fazer isto não como exibição de poder ou vaidade espiritual, mas com grande humildade e confiança em Deus.
11- Evitar o isolamento
- Satanás sempre tende a isolar suas vítimas (Ecle 4,10; Hb 10, 23-25).
- Como isola?
- Isola a pessoa tentada provocando nela uma certa mudez e uma certa surdez.
- Certa mudez: a pessoa se cala e, por vergonha ou por orgulho, não se expõe a quem pode ajudá-la. Satanás estorva de mil modos a pessoa, para que ela não abra o seu coração a quem pode lhe ministrar cura.
- Certa surdez: Satanás gera um ambiente de dificuldades interiores e trevas e, assim, vai enredando a pessoa de modo que ela não mais consiga perceber a Palavra salvadora que pode ajudá-la
- Todo o empenho de Satanás é isolar a sua vítima. Na ordem espiritual isto significa isolar-se dos auxílios da graça divina. Fechando-se desse jeito, a pessoa se afasta não somente daqueles que poderiam ajudá-la, mas se afasta também de Deus.
12- Como o Inimigo nos tenta? O que a tentação põe em jogo?
- O Inimigo é hábil no tentar. Tenta gradualmente. Não leva logo a alma generosa aos pecados mortais pois não conseguiria isso.
- Gradualmente vai levá-la primeiro às pequenas imperfeições, e estas cada vez mais frequentes. Só depois derruba-a pelo pecado mortal.
- Usa de razões aparentemente verdadeiras. Procura afrouxar a alma, para ir roubando sua generosidade, seu fervor e sua dedicação na prática da virtude.
- Leva a pessoa a um gênero de vida que prioriza cada vez mais o “sentir-se bem”, o prazer, a ausência de renúncias e sacrifícios. Assim, são eliminados os aceiros que protegem a vida espiritual e bloqueados os caminhos de adiantamento na virtude e na união com Deus.
- Sem austeridade de vida não há firmeza, muito menos perfeição no caminho do bem. Tudo faz o Inimigo para deslocar a pessoa do caminho estreito da santidade evangélica para o caminho amplo do prazer, da satisfação e da comodidade (Mt 7, 13-14).
- Conclusão: nas lutas espirituais lutamos por aquilo que é o de mais grandioso que podemos desejar e conseguir: lutamos pela vida eterna em plena união com Deus.
- Na Bíblia: 1 Cor 10,13; 1 Tm 6,9; Tg 1,13-14; 1Pd 4,12
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